Direção: Tatiana Vinhais / Dramaturgia: Diones Camargo e Tatiana Vinhais / Elenco: Alexandre Borin Antunes - Diego Acauan - Fabrizio Gorziza - Francine Kliemann - Frederico Vasques - Jéssica Bittencourt - Manoela Wunderlich - Pablo Damian / Guias: Elieto Rocha





quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Crítica de "O MAPA_Prédio 255"

Trecho editado do texto de Rodrigo Monteiro, publicado originamente no blog Porto Alegre: Crítica Teatral. Para ler a crítica na íntegra, CLIQUE AQUI.



(...) Na produção de formatura de Francine Kliemann, o público anda pelos dois prédios do Departamento de Arte Dramática da UFRGS e, em cada lugar, há uma cena a mais na contagem de uma história baseada em O Céu Que Nos Protege (The sheltering sky), lançado em 1949, o livro de estreia do escritor americano Paul Bowles (1910-1999). Diones Camargo assina a dramaturgia ao lado de Tatiana Vinhais, que também assina sozinha a direção.

Inicialmente, o público, ao obter o ingresso, ganha um passaporte indicando o caminho a seguir. Há dois caminhos possíveis de começo. Na metade da contagem, alguns passaportes permitem que o portador troque de caminho. Outros não. Assim, o resultado é que há quatro contagens previstas para essa história, todas elas determinadas no ingresso ao Prédio número 255 da Rua General Vitorino, Centro de Porto Alegre. Guias auxiliam os grupos que também ganham mapas. Poucos são os ambientes em que é possível sentar. O espetáculo ocupa desde estúdios de ensaio até camarins, corredores, porão, armário, banheiros e área externa. Nisso, nessa concepção da direção, está o maior, mas não o único, valor dessa produção.


(...)

O espectador desvenda o DAD. E se descobre livre para sentar, para movimentar-se, para olhar o que deseja ou pode, diferente de um espetáculo de assistência tradicional em que se chega, se senta, se assiste e só se levanta na hora de ir embora. Ao mesmo tempo, essa liberdade não é plena. Há paredes nesse prédio público da Universidade. Algumas cenas só acontecem em ambientes em que poucas pessoas têm total acesso, de forma que apenas o som dos diálogos chegam para alguns. Há lugares insalubres, abafados, sujos, enquanto outros são arejados e confortáveis. O espectador, além disso, deve seguir o caminho traçado no seu passaporte. Essa é uma metáfora riquíssima para o universo de Bowles. O deserto é amplo, mas a liberdade dele não é plena afinal. O casal não consegue voltar para casa: documentos somem, transportes são perdidos, o dinheiro acaba, a doença e a morte aparecem. O trem se choca com força e se despedaça nessa montanha como previra o sonho de Port. Sozinha, Kit terá que juntar os cacos de gesso de sua vida.


(...)

Já facilmente de ser identificado nos seus outro trabalhos, o estilo de Diones Camargo é mais uma vez ratificado: amplo uso de imagens, sobreposição delas, referências pop e poucas conexões. O leitor de Camargo precisa se movimentar no texto para conferir-lhe sozinho significado se quiser tê-lo. Sua temática também se repete e me faz lembrar um trecho de A Trégua, de Mário Benedetti, que cito a seguir:

O que está pior, então (hoje em relação ao passado)? Depois de muito espremer meu cérebro, cheguei à convicção de que o que está pior é a resignação. Os rebeldes passaram a ser semi-rebeldes, os semi-rebeldes, a resignados. [...] Mas a resignação não é toda a verdade. No princípio, foi a resignação; depois, o abandono de escrúpulo; mais tarde, a conivência.” (Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 58-59)



Nesse, como também nos outros textos assinados por Camargo, em questão, está o horror diante da conivência, a tentativa fracassada, ou inusitadamente feliz, da resignação. O Mapa_predio 255 é um dos momentos desse dramaturgo em que o final feliz aparece de forma apoteótica e, por isso, estranha a quem lhe está acostumado. A cena final, em que os personagens dançam sob a luz da lua, é um alívio para quem estava preso (e protegido?) sob o sol, ou para quem estava preso (e protegido?) no prédio antigo que tem frente para a Av. Senador Salgado Filho. Um descanso merecido, embora com uma boa dose de alienação e, inevitavelmente, de resignação não bem-vinda. Assim como as cenas sem diálogos e os momentos de caminhadas que entremeiam a história são um momento de pausa para o espectador, a cena final é, quem sabe, uma pausa para Kit que continuará sua trajetória até voltar para casa.




Os personagens não são ricos e há pouco espaço para eles na encenação. Para Kit, que tem privilégios na história que eu vi, sua expressão consiste em brigar com Port, alegrar-se com Turner, chorar no final. A Turner e Port, cabem-lhes menos. Aos demais, menos ainda. Francine Kliemann e Manoela Wunderlich, as duas Kit, estão excelentes em seus papéis, ainda que, como disse, pouco havia para se fazer. O máximo, penso eu, no entanto, foi feito. O mesmo se pode dizer de Fabrizio Gorziza na interpretação de Port. Nessa produção, o destaque está mesmo para a ocupação do espaço cênico. Nesse sentido, a direção de arte (figurinos, maquiagem dos atores e dos ambientes, iluminação) está de parabéns pelos resultados obtidos. A opressão, o sufocamento, as nuances de ritmo que fazem com quem se descanse e se canse, se veja e se reflita, estão todas contempladas nos aspectos visuais: desde os passaportes e os mapas, passando pela postura dos guias, até a forma segura e detalhada com que cada pedaço de lugar fora utilizado.

Sai-se do espetáculo, convivendo um pouco mais consigo mesmo, resignado talvez, mas feliz com a companhia. A metodologia da assistência, a forma de nos fazer trilhar um caminho, mesmo que esse caminho possa terminar contra uma montanha, tem relação direta com a história. Forma e conteúdo aqui se casam perfeitamente e o teatro, excelentemente usado, mostra que ganha não apenas Kliemann, que obtem, nesse verão, seu título de graduação, mas todo um grupo de pessoas que merecem os agradecimentos pela ótima produção que disponibilizaram à cidade nesse momento de finalização do, sem dúvida, mais rico ano das artes cênicas gaúchas.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Qual Caminho Você Escolheu Seguir?




- ‎01 adaptação de um livro inesquecível (O Céu Que Nos Protege);


- A possibilidade de seguir 02 personagens diferentes (Port ou Kit);


- 04 guias, 08 viajantes, 26 passageiros;


- 60 cenas em aproximadamente 1 hora de espetáculo;


- Ocupação de 02 prédios públicos (Departamento de Artes Dramáticas - DAD):




Isso é O MAPA_prédio 255




De 04 a 18 de Dezembro de 2010 - Sábados e Domingos, sempre às 21h.


ENTRADA FRANCA (senhas distribuídas 1 hora antes do espetáculo).



DAD - Departamento de Artes Dramáticas - General Vitorino, 255.



quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

TODA HISTÓRIA TEM DOIS LADOS

- A CARTOGRAFIA DO MAPA

Um único trajeto, dois pontos de vistas diferentes sobre ele. A sensação angustiante de incompletude, tão comum nos seres humanos e tema principal do livro O Céu Que Nos Protege, de Paul Bowles, é metaforizada aqui pelo deslocamento do público por dois caminhos (o Caminho dos Espelhos e o Caminho do Tempo) que percorrem os mesmos espaços, porém em ordem diversa. O movimento das cenas obedece a lógica do omitir-revelar: se ao seguirmos por um caminho obtemos determinadas informações a respeito dos personagens, no outro descobrimos detalhes novos sobre os mesmos, o que possibilita expandirmos nossa compreensão a respeito dos eventos que se sucedem. No fim, os dois lados da mesma história poderão finalmente se unir e assim dar-nos – ao menos em termos narrativos – uma visão global de quem são essas pessoas e quais são as suas motivações. Algo que, infelizmente, é impossível no ritmo incessante da vida que ruge lá fora, como um leão perdido no deserto.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O PRÉDIO 255

Situado entre a Rua da Alegria e a Rua da Cadeia, hoje Rua General V e Av. Salgado F, respectivamente, as grandes portas de ferro do Prédio 255 impedem a entrada de turistas desavisados. Muitos viajantes costumam passar por ali. Atualmente conta-se a história de um casal que entrou lá e não voltou. Dizem que ele morreu em uma daquelas salas que em dias "normais" não se pode frequentar. E dela, dizem que ainda se pode ouvir o barulho dos seus chinelos arrastando no chão de ladrilhos, no quarto contíguo.

Dizem também que o céu de lá é inacreditável e que o ar é o mais puro que se pode respirar, e às vezes – poucas, aliás – isso parece ser a maior verdade do mundo. Têm dias que depois do pôr do sol o prédio é invadido por barulhos de apitos de chaleira e de trens, e o cheiro de raxixe se mistura com a fumaça das fogueiras e com odores diversos. As variadas etnias, com seus hábitos pitorescos e suas palavras incompreensíveis, fazem o calor do dia ou o frio da noite parecerem não mais que um ligeiro mal estar hospedado na pele do viajante. Mais tarde, por volta das dez da noite, quando o barulho da rua se perde dentro das centenas de casas empilhadas em volta da General V, é possível perambular livremente pelos corredores do Prédio 255. Mas é necessário ter muito cuidado: devemos ter sempre em mãos um mapa, pois muita gente já se perdeu lá dentro; não podemos correr o risco de perder mais passageiros no trajeto.

Consegui o mapa de dois caminhos que podem facilitar a nossa chegada, E COMO PASSAGEIROS DEVEMOS ESCOLHER UM ITINERÁRIO, UM CAMINHO APENAS. Nas fronteiras entre um ponto e outro é possível que nós, passageiros, nos encontremos e quem sabe até mesmo mudemos de direção. Ou então, se quisermos voltar noutro dia e embarcarmos de novo e seguir pelo outro caminho, estamos livres para essa decisão. Mas é bom lembrar que nossa viagem, assim como qualquer outra, não durará para sempre. Não podemos cometer o erro fatal de negar a existência do tempo.

Espero a resposta de todos, pois ainda tenho que confirmar os lugares no trem. Consegui também dois lugares no carro dos Lyle – que apesar da companhia um tanto desagradável, é bem mais confortável. Alguém?

Boa viagem à todos, e que o Céu nos proteja.
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